sábado, 16 de abril de 2011

Coisas afins__Nety Maria Heleres Carrion

Coisas afins

No espaço sem fim
uma estrela me conduz
a muitos universos

Brinca
com as cores e os gestos

Me desperta
e me faz feliz

Me faz sonhar
com tempos
heróicos

Luz
em todas as direções

Sob o espaço sem fim
no recanto débil
do coração

A chama da esperança

No espaço sem fim
o que seria de mim
sem o abraço
do mundo

Abarco dádivas
aqui e ali

Sob o espaço sem fim
vibra a semente
do verbo

Ecos
de paz
tão perto de mim

Nesse universo sem fim
jogo tudo pro alto
e me renovo
num salto

Sem pousar
no fim
ou no começo
da jornada
que abriga
a minha estrela

Nesse espaço sem fim

Sei

Que nada sei
dos escritos nas estrelas

Linhas sem fim
recheadas de sabedoria

No espaço sem fim

Eu e tu

Coisas afins

Nety Maria Heleres Carrion

terça-feira, 12 de abril de 2011

Filho pródigo__Nety Maria Heleres Carrion

Filho pródigo

Colo a sombra dos meus ais
no solado da vida
onde vibrará sob os passos
descompassados
das rugas dos caminhos

Nada sei do amanhã

O ontem
se desprendeu de mim

Bolhas de ar que chegaram ao fim
sem perguntar se era assim
se eu queria esse fim
para mim

Importa que essa mensagem torta
chegue morta
na reta final

O agora me seduz e libera tudo
que sempre quis

Libera sonho
libera fantasia
libera esperança
aqui e ali
nos croquis da vida

O depois
trará respostas com sentenças
de prós e contras

Alei meus versos para que voem
às terras do sem fim
e voltem sempre
para mim

Dei carta branca aos meus versos
status
amor
liberdade
para que fiquem longe de mim
mas regressem ao ninho
condecorados
pelos troféus e medalhas
nos saraus poéticos da vida

São versos do meu mundo
para o mundo

Abrirei as portas dos meus versos

Terão passaporte vitalício
e quem sabe eterno
para que percorram o universo
e como um filho pródigo
à casa paterna retornem
com vestes brancas
louros e coroas

Condição sine qua non

Que na sombra da noite
ou do dia
se acheguem a mim
sem perdas e danos
para serem acarinhados
após cada missão.

06/04/2011
Nety Maria Heleres Carrion

sábado, 9 de abril de 2011

Um poema__Paulo leminski


um poema

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

Paulo leminski

Poemas de Júlio Alves

sim rio
sigo indo

sem margem
sem dentes

                                   júlio alves
*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-**-*-*-*-**-*-*-*

tempo mudo
tempo observo
tempo colho

dias passam
anos coleciono

                                   júlio alves
*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-**-*-*-*-**-*-*-*

jardim de flores plásticas
beleza estática
borboleta esquizofrênica
poliniza polipropileno

                                    júlio alves
*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-**-*-*-*-**-*-*-*

Poemas de Scyla Bertoja

TOM MAIOR

Espalhou aquarelas
de flores tão belas
e amou todas elas.
Brancas, verdes, amarelas.

Amou as mulheres,
amou os amigos,
os bichos, os livros,
as águas de março.
Cantou com Sinatra, com Elis.
A felicidade, a cidade feliz.

E agora, Maestro?
Sem mais, vais embora
como um passarinho.

Cidade cinzenta
chora de saudade.
É o fim da picada.
É o fim do caminho.

Scyla Bertoja

***

HERESIA

No altar a lâmpada votiva
entre lírios brancos
exibe do sagrado a chama perene
alimentando de fé aos iniciados.

vejo teu rosto além do lume
porque a retina alcança além do altar
a visão transcende o limite dos olhos
que encantados foram pelo teu olhar

agora entrego-me à contemplação
beirando heresia endeuso um semideus
embora adivinhe Odisseus ao mastro acorrentado
tendo com cera os ouvidos tampados

libera-te e não temas
ora dormem as sereias
porque de amar e de cantar exaustas
transmutados seus encantos
são apenas conchinhas na areia
afogadas que foram por marés de prantos

Scyla Bertoja

***

CINZA

gosto
mais de janelas fechadas
que não deixam
passar a claridade
nem quero
ver as luzes da cidade
sou como os pombos
dias cinzentos são belos
para mim
passaria meu tempo
de bom grado
arrulhando
sobre velhos telhados
nos fundos
das casas velhas
do Bom Fim

Scyla Bertoja

***

COLETIVO - 2008

Lá na avenida passando
Iluminadas janelinhas
Dos chamados coletivos
Como colares de contas
Feitos de puro cristal
Pra enfeitar a linda imagem
Da noite da capital
E essas mágicas jóias
Vão apinhadas de sonhos
Dramas e tragédias
Amores, dores, comédias
De moços, velhos e anjos
Sem contar alguns demônios
E todos querendo chegar
Com a mesma pressa ao porto
Pois desejo do coração
É o aconchego do lar
“Corre, corre, cria asas,
vai ligeiro, vai depressa,
devora essas avenidas,
queremos voltar pra casa”.

Scyla Bertoja

***

INEVITÁVEL

nasceu agora
desconhece a sede dos desejos
e a fome não sentiu
desses teus beijos
não a tentes, por Deus
anjo inocente, indefeso
lhe ensinarei o medo
repetirei que é cedo
direi que és o demônio
embora saiba
farás o teu ofício à perfeição
e um dia
em teu olhar que seda
com voz macia
queira eu, ou não
ela se encanta
e cede

Scyla Bertoja

***

O DIA – 2000


Maria
amanhecia rosa orvalhada
ao vento da manhã
cedo demais
em plena madrugada
na ânsia de viver

João
pele dourada
mãos calejadas
plantava e colhia
inquieto coração
já era meio-dia

mas havia um lugar
onde o tempo
por passatempo
lhes concedia tempo
para amar
por um momento

ao fim
Maria sol-a-pino
João escuridão

Maria dor e solidão
sem mais tempo
passa o tempo
lembrando João.

Scyla Bertoja

***

ÔNIBUS (agosto/2000)

Meu vizinho tinha um ônibus
que era a coisa mais linda
do meio pra cima, azul
do meio pra baixo, branco
durante a semana, sujo
mas no domingo, tão limpo
que parecia que andava
nas nuvens, sem encostar
nenhuma roda no chão

O ônibus era grande
eu, então, pequenina
que lindos bancos aqueles
para brincar de casinha
e tinha muitos lugares
reservados
para personalidades
que eu havia convidado:
A filha de Dona Rita
que já dançava balé
e o dono do armazém
que tocava acordeão
e seus quatro netos
e a Pina
que era mãe de criação
e o filho da vizinha
que tinha cabelos negros
e bochechas rosadinhas
e que sempre que podia
se atrasava no caminho
para andar junto comigo
e com outras menininhas
chutando as folhas do chão
colecionando pedrinhas
mas, no ônibus,
ele sentava
com a minha melhor amiga

Scyla Bertoja

***

PREOCUPAÇÃO TRANSCENDENTAL Setembro-2001

nasci perfeita
e fui me transformando
mais e mais adiante
fui ficando pior
fazendo tudo errado
ignorante
me ensinaram o bem
fui para o outro lado
aprendi pela dor
e a corrente que leva tudo
também levou meu amor

é hora de voltar
de fazer o contrário da viagem
agora sem bagagem
até me transformar
novamente
na folha branca de Rousseau

quando terminar
receio que a vida
me faça recomeçar
e viver tudo de novo
sucessiva e eternamente
nas tão faladas outras vidas

Scyla Bertoja

***

HUMANA

ora em recônditos nichos
Hamlets rebelam-se
e me exaltam os ânimos
a resolver com um punhal
os problemas da vida

ora um anjo sussurra-me
o salmo vinte e três
e me deixo descansar
em verdes pastos
ao som de coros celestiais

ora me inquieto
e pondero se valeu Perséfone
ser condenada ao Hades
por não ter resistido
a uma doce romã

ora me descubro humana
com um segredo de Midas
a desafiar-me a coragem
a expor minha fragilidade

ora temo
entre orações e poções
a chegada
das monções

Scyla Bertoja

terça-feira, 5 de abril de 2011

Resumo bibliográfico__Vitor Hugo

RESUMO BIBLIOGRÁFICO:

"Logo mais, na restauração,
Uma bandeira tremulará em toda parte, ao lado de todas: A da Paz;
Um idioma se falará junto aos demais: O da Fraternidade;
Um ideal se fará presente no meio dos outros: O do progresso;
Uma Religião única estabelecerá a ponte de união
entre o Homem e Deus: A do Amor Universal...."

Vitor Hugo

A música__Charles Baudelaire

A Música

A música p'ra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!

O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d'um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;

Sinto vibrar em mim todas as comoções
D'um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsões

Conseguem a minh'alma acalentar.
— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrivel me exaspera!

Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães

Mario Quintana

DESTINO ATROZ

Um poeta sofre três vezes: primeiro quando ele os sente, depois quando ele os escreve e, por último, quando declamam os seus versos.

Mario Quintana (Caderno H)

***

SEMPRE QUE CHOVE

Sempre que chove
Tudo faz tanto tempo...
E qualquer poema que acaso eu escreva
Vem sempre datado de 1779!

Mario Quintana - Preparativos de Viagem

***

DOS MUNDOS


Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.

Mario Quintana - Espelho Mágico

***

RECORDO AINDA

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

Mario Quintana

***

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

Mario Quintana - A Cor do Invisível

***

O SILÊNCIO

Convivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, n ão quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio...

Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo

***

Um bom poema é aquele que nos dá a impressão
de que está lendo a gente ... e não a gente a ele!

Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo

Poemas de Nety Maria Heleres Carrion

Vigília poética

Escalo os picos mais altos
em busca da arte das artes
que se banqueteia
na demência do verso e parte
sem rumo
sem céu e sem chão
que abrigue e dê substância
ao seu dom

Vigio a arte e a arte me vigia
numa vigília poética
sacudida pelas sementes
da poesia
que transpassam quimeras
e pousam nos versos

Nety Maria Heleres Carrion

***

Plenitude

O sábio
atrai a plenitude do pensamento
para dentro do oráculo do templo
enquanto vozes descabeladas
estouram em campo aberto

O sábio
verte conhecimentos e despenca
no ser ou não ser

O sábio
constrói seu estandarte
embasado na meditação
que o leva aos píncaros do deserto
onde abstrai a lógica
e busca fantasia filosófica
da questão

Nety Maria Heleres Carrion

***

SOS

Um novo dia pede passagem
de ida e volta

Um novo dia que o anterior
amorteceu e apagou

A teia de babel risca o céu
dispersa labaredas
enrosca línguas
flamejantes e lança
riqueza ortográfica
sobre as redes vivas
da imaginação

A noite enferma
transporta o peso devastado
da terra

Expectadores inertes
esperam que a terra não vacile
na sua tortuosa trilha
imposta pelo desleixo
de quem a recebeu
por empréstimo

Numerosa platéia assiste
ao desmoronar da terra
que estende
braço amigo e ampara
perplexa
a seus filhos

A terra derrama copiosas lágrimas
sobre seu manto
onde criaturas pensantes
cospem chamas

SOS
nos céus
nas terras
nas águas
pois a terra alegra-se
com sua doação e chora
pelas extravagâncias

Nety Maria Heleres Carrion

***

Linhas

Rabisco linhas
sem princípio
nem fim
esperando que segredem
o que querem de mim

Nety Maria Heleres Carrion